Mediação familiar: recurso alternativo à terapia familiar na resolução de conflitos em famílias com adolescentes
O presente artigo é um estudo sobre a mediação familiar como recurso alternativo à terapia familiar na resolução de conflitos em famílias com adolescentes.
De um ponto de vista sistêmico-construcionista alguns dos conceitos e abordagens de ambos os processos - terapia e mediação - serão destacados com o fim de refletir acerca de sua utilização na resolução de conflitos entre pais e adolescentes, defendendo-se uma visão positiva e a perspectiva transformadora no que diz respeito aos conflitos. Finaliza-se esta análise com reflexões concernentes às distinções entre mediação e terapia familiar.
INTRODUÇÃO
Na atualidade, duas áreas apresentam-se como recursos importantes na resolução de conflitos em famílias nas quais há adolescentes: a terapia familiar e a mediação familiar. Há algum tempo, a terapia era a primeira indicação em casos de conflitos familiares; hoje, a mediação surge como opção possível. Mas, como e quando escolher terapia ou mediação?
Existe um debate entre diversos autores em que se questiona até que ponto a mediação familiar deve envolver componente terapêutico. Alguns dizem que mediação e terapia são bastante diferentes (Kelly, 1983) e outros as integram, propondo que, em geral, a mudança terapêutica é parte do processo de mediação (Gadlin & Ouellette, 1986-7).
Embora a terapia e a mediação tenham particularidades e indicações próprias, suas técnicas podem ser utilizadas em alguns casos de forma complementar. Determinadas situações beneficiam-se com esses processos, cada um por sua vez e com diferentes profissionais. Em virtude desse raciocínio, adota-se aqui a visão integradora, ressalvando-se que ambos são recursos potenciais para crescimento, transformação e mudança.
Da mesma forma que em psicoterapia, o emprego de um modelo de base sistêmica construcionista social para trabalhar a resolução alternativa de conflitos procura integrar a concepção transformadora a outro enfoque na resolução de problemas. Com base neste quadro teórico, pode-se pensar que é possível contar com ambos os procedimentos na prática profissional, considerando-se a especificidade de cada conflito e escolhendo-se em cada caso qual processo vai servir como maior facilitador de mudança.
O quadro teórico do presente estudo é o construcionismo social, que pressupõe o sujeito como construindo seu mundo nas várias relações, diálogos e contextos de que participa durante a vida. Nesse processo contínuo de evolução e de possibilidades de mudança pode-se distinguir diferentes etapas, em cada uma das quais se lida com distintas necessidades e recursos individuais e grupais.
A participação em contextos desde os mais simples até os mais diversos e complexos faz com que haja, por vezes, aceitação ou coincidência de ponto de vista entre dois ou mais interlocutores, porém as divergências de opinião podem gerar conflitos a partir da dificuldade de administrá-las. O sentimento da impossibilidade de coexistência de ambos ou mais pontos de vista exigirá reorganizações por parte do sujeito, da família como um todo e dos diversos contextos de participação do sujeito. Estas reorganizações serão elaboradas de forma mais ‘subjetiva’ e/ou negociadas ‘mais objetivamente’, podendo vir a ser realizadas apenas pelas partes envolvidas ou, quando surge o conflito, pela intervenção de terceiros.
Uma vez que a terapia familiar e a mediação familiar apresentam-se como importantes recursos alternativos que lidam com a diversidade dos sistemas envolvidos, o psicólogo que escolha trabalhar com terapia e mediação familiar deverá desenvolver estudos sistemáticos tanto para que tenha clareza quanto ao momento de elegê-las, indicá-las e conduzi-las, como também acerca de seu papel e da sua função ao utilizá-las.
Ao final deste artigo são feitas reflexões concernentes às distinções entre tais processos, reflexões que consideram as metas, o tempo de duração dos processos, o lugar de expressão das emoções etc. Contudo, já se pode adiantar que há temas e necessidades de mudança no contexto familiar mais sujeitos à negociação, ao passo que outros podem exigir elaboração mais complexa e demorada.
CONCEITUAÇÃO DE ‘CONFLITOS’
Os conflitos são inerentes à vida humana, pois as pessoas são diferentes, possuem descrições pessoais e particulares de sua realidade e, por conseguinte, expõem pontos de vistas distintos, muitas vezes colidentes. A forma de dispor tais conflitos mostra-se como questão fundamental quando se pensa em estabelecer harmonia nas relações quotidianas.
No entanto, embora se possa ter visão negativa do conflito, como algo ameaçador ou destrutivo, é possível, ao contrário, dele ter visão positiva. Quando entendido como possibilidade de crescimento e mudança, torna-se a base a partir da qual são geradas soluções participativas, criativas e satisfatórias. Nessa linha de pensamento, o construcionismo oferece modelo diferente de compreensão dos conflitos, traçando uma perspectiva transformadora dos mesmos.
Desde uma perspectiva comunicacional, compreende-se que os conflitos são socialmente construídos e administrados através da comunicação da ‘realidade’ em seu contexto socio-histórico, na qual ambos, conflitos e realidade, influenciam e são influenciados em seu significado e comportamento pelo contexto (Folger & Jones, 1994).
Pode-se dizer que os conflitos ocorrem quando ao menos duas partes interdependentes percebem seus objetivos como incompatíveis; por conseguinte, descobrem a necessidade da interferência de outra parte para alcançar suas metas (Hocker & Wilmot, 1991).
Por sua vez, Donohue & Kolt (1992) estabelecem a distinção dos conflitos em manifestos ou latentes: o manifesto se dá de forma aberta e o latente existe quando as pessoas evitam determinado tema e não fazem visível seu incômodo ou desagrado.
É freqüente a associação de conflitos com problemas, ou seja, com algo negativo. Mas há estudos que oferecem visão mais ampla e menos polarizada, facilitando a concepção de uma resolução construtiva dos conflitos, como também da conotação positiva a esse respeito (cf. Bush & Folger, 1994; Kolb, 1994; Littlejohn, 1996). Tem-se, desse modo, a possibilidade de dar rumo positivo ou construtivo às diferenças, elaborando uma visão positiva do conflito.
Quando se pensa os conflitos desde um ângulo positivo, pode-se vislumbrar uma variedade de opções na forma de administrá-los, o que implica preocupar-se tanto pela situação individual do conflito quanto pela situação mais ampla em que este se produz. Semelhante idéia permite a antevisão de resultados igualmente positivos. As pessoas, então, entendendo o conflito como sinal para mudanças, podem escolher um método de resolução que se adapte tanto a elas como ao conflito.
FAMILIAS COM ADOLESCENTES
Este artigo trata da etapa adolescente enquanto afeta o ciclo vital familiar. Nessa fase, podem surgir diversos conflitos. Os mais “objetivos” e passíveis de negociação são frequentes e apresentam suas peculiaridades, como, por exemplo, problemas de disciplina, de responsabilidades domésticas, com relação aos estudos e a horários. Outros conflitos são mais “subjetivos” e menos passíveis de negociação, podendo a família ter ou não flexibilidade e criatividade para manejá-los. Dentre estes conflitos podemos citar pais que têm dificuldades de lidar com o processo de independência e individualização que é fundamental para o adolescente. As mudanças sistêmicas envolvidas nesse âmbito em que repercute a adolescência demanda reorganizações por parte da família, mas se este aspecto provoca dificuldades, tem-se a opção de procurar a ajuda de um terceiro, que pode ser um terapeuta ou um mediador.
Etapa do desenvolvimento de importância fundamental na constituição da identidade do ser humano, a adolescência configura momento crucial do ciclo vital. Constitui uma fase que oferece oportunidades de crescimento e de obtenção de resultados positivos. Caracteriza-se por diversas mudanças ou crises, cuja resolução determina em grande medida a qualidade da vida adulta. Assim, a adolescência auxilia uma alteração na organização existente em virtude da qual os recursos habituais tornam-se insuficientes ou inadequados para enfrentar nova situação, sendo que o desenvolvimento é atingido com a aquisição de novos instrumentais e a ‘superação da crise’.
Nesse processo, os fatores ambientais que intervêm são muito importantes. As dificuldades e complexidades das diversas situações variam de acordo com o sujeito e sua circunstância sociocultural, com as características psicológicas do indivíduo e as de sua família. A superação da crise e a aquisição de novos recursos são problemas que o adolescente pode resolver nas coisas quotidianas em estreito contato com o ambiente familiar e sociocultural; mas, às vezes, o adolescente ou a família necessitam de ajuda externa.
No que diz respeito à família, os estudos sobre a adolescência vêm ocupando espaço mais destacado na clínica em virtude de sua importância e de suas características particulares. Essa etapa envolve mudanças tão significativas quanto à experiência, identidade e estrutura da família, que esta se vê transformada.
À medida que a experiência dos jovens se incrementa no que diz respeito a seus papéis e identidade, eles e suas famílias vivenciam, além de intensos sentimentos e novas experiências, importantes movimentos de mudança. A reorganização das relações pais-filhos adolescentes sobre nova base constitui um dos eventos marcantes desse período. Nesse estágio, a família deve aprender a renegociar regras de autoridade e começar a aceitar maior individualidade (Rhodes, 1977). Uma negociação vitoriosa nessa fase provê base forte para a consecução das maiores metas da fase adolescente: formação da identidade, modelo de sexualidade e de separação.
Terkelsen (1980) define como pressuposto básico da família o contexto de provimento de apoio para as realizações individuais que seus membros necessitam atingir. Enquanto as necessidades de sobrevivência permanecem basicamente imutáveis, as de desenvolvimento do adolescente são claramente distintas daquelas da criança. Esse momento é de aceleração dos processos de formação da identidade e da separação, embora tais movimentos ocorram durante toda a vida.
Na atualidade, as famílias são vistas como unidades que possuem características próprias de desenvolvimento. Esta noção conduziu à teoria que defende a concepção de que a família tem ciclo vital próprio, com transições previsíveis e identificáveis. A suposição é que existem particularidades de cada estádio cuja vivência precisa ser orientada e que a transição de um a outro estádio é sempre acompanhada por certa dose normal de ‘crise’. O modo como as famílias realizam essas tarefas e lidam com a ‘crise’ vai exercer tal efeito no desenvolvimento individual que merece consideração especial.
A adolescência é etapa criativa e excitante, se bem que tumultuada, do ciclo vital familiar. Por acarretar novas expectativas e demandas, as características dessa fase desafiam a estabilidade do sistema familiar. Ao empreenderem sua individualização, os jovens repudiam valores, questionando-os, e desafiam as normas, fazendo com que os padrões familiares possam vir a experimentar distúrbios súbitos e abruptos.
Se, por um lado, os adolescentes interessam-se pela exploração do mundo externo e por testar sua independência, reivindicando-a, por outro lado, é igualmente forte e autêntica a necessidade de se sentirem protegidos e de serem educados. Esse constante conflito entre dependência e independência confunde e desafia tanto os adolescentes quanto suas famílias. No entanto, esse período de tormenta possibilita a construção de criativas renegociações das relações entre gerações; também pode conduzir a estresse e a conflitos prolongados e difíceis. Diversas variáveis e fatores afetam a habilidade familiar para administrar esses acontecimentos, tornando-se centrais os temas da flexibilidade e da criatividade para lidar com tais assuntos.
CONFLITOS FAMILIARES EM FAMÍLIAS COM ADOLESCENTES
Como foi dito, a adolescência é fase de importantes mudanças e de abertura a novas possibilidades. Os jovens e suas famílias podem gerir bem as demandas deste período ou podem ter dificuldades sem solicitar ajuda, ou, ainda, podem procurar a ajuda de terceiros. Neste caso, a família buscará auxílio externo de várias formas, como, por exemplo, freqüentando grupos de auto-ajuda ou uma igreja, indo à consulta médica ou ainda recorrendo aos procedimentos que são objeto do presente estudo.
Smetana (1989) comenta que os conflitos na adolescência têm sido pesquisados fundamentalmente em termos dos efeitos das mudanças biológicas na puberdade. O mesmo autor critica que poucos foram os estudos que relacionaram as mudanças socio-cognitivas da adolescência com as mudanças nas relações familiares durante esse período.
Com base em investigações conduzidas nos EEUU, a autora diz que, para uma quantidade significativa de adolescentes, a transição da infância para a adolescência inclui conflitos menores, mas persistentes, entre pais e adolescentes no que concerne a detalhes da vida familiar diária. Expõe que os conflitos entre pais e adolescentes ocorrem mais freqüentemente com relação a assuntos concernentes à vida familiar quotidiana, temas estes ligados em geral com a quebra de regras e com a não colaboração ante pedidos dos pais.
Dentre os estudos pesquisados, alguns procuraram detectar os conflitos familiares identificados pelas próprias famílias com adolescentes; outros, por sua vez, focalizaram conflitos mais específicos; e outros realizaram investigações sobre programas desenvolvidos para intervir nestes conflitos.
Entre as investigações que fizeram o levantamento dos conflitos apontados pelas famílias com adolescentes, destacam-se dois:
Lam, Rifkin & Townley (1989) desenvolveram uma pesquisa em The Franklin-Hampshire Community Mental Health Center, Northampton, Massachusetts, em que identificaram os seguintes conflitos: ociosidade e freqüência escolar; abuso físico; abuso emocional; negligência; não cumprimento de horários; vida social do jovem; fugas do lar; problemas de drogas e álcool do jovem; escolha de amizades, de noivos ou noivas do jovem; tarefas domésticas; problemas com irmãos(as); atitude do jovem (não respeitosa e/ou não responsável); problemas de comportamento na escola; baixo rendimento escolar; atitude dos pais (falar entre dentes, repreender e gritar); punição/instrução; privacidade do jovem; falta de confiança; discussões e brigas; comunicação; dinheiro, mesada e pertences do jovem; uso dos recursos da família (telefone, carro etc.); problemas de drogas e álcool dos pais.
Smetana (1989), por seu lado, realizou um estudo no qual identificou os seguintes conflitos: tarefas escolares/rendimento escolar; tarefas domésticas; aparência; personalidade/estilo de comportamento; relações interpessoais; escolha/regulação de atividades; vida social e amizades; regulação de horários; saúde e higiene pessoal; finanças.
Entre os estudos que trabalharam com conflitos mais específicos, encontram-se os de:
Bijur, Kurzon, Hamelsky & Power (1991) estudaram conflitos entre pais e adolescentes relacionados com algum tipo de violência física.
Vissing, Straus, Gelles & Harrop (1991) investigaram casos de agressão verbal em famílias com adolescentes.
Evans & Warren (1988) estudaram comportamentos agressivos por parte de adolescentes para com seus pais em conflitos relacionados a responsabilidades no lar, a dinheiro e a privilégios.
Gadlin & Ouellette (1986-87) trabalharam com conflitos relativos à disciplina no lar, a problemas de fuga e casos de derivações de serviços para menores com necessidades de intervenção externa.
No que diz respeito a programas desenvolvidos para intervir nestes conflitos, importa citar:
O Programa de Mediação da Sociedade de Auxílio ao Menor Necessitado de Supervisão – PINS – de Nova York, que oferece, desde 1981, a mediação como alternativa para pais e adolescentes em conflito. O projeto expandiu-se, e hoje são atendidos anualmente de 500 a 600 casos. Mediadores são colocados nas cortes familiares para aceitar casos cujo processo judicial já tenha sido iniciado, mas, principalmente, para receber encaminhamentos antes mesmo de as petições terem sido formuladas. Neste projeto, o mediador encontra-se com as famílias por período máximo de quatro sessões. O papel do mediador é auxiliar na comunicação entre pais e adolescentes, identificar áreas de interesse comum e ajudar para que possam chegar a acordos escritos, relativos a comportamentos específicos em determinadas áreas problemáticas (Shaw, 1984).
O The Children's Hearings Project of the Cambridge Family and Children's Service, é um programa que foi iniciado e desenvolvido a partir de 1981, em Massachusetts. Era oferecido nas cortes como alternativa para dois tipos de casos: infratores e casos relacionados com medidas de proteção – risco de abuso e de negligência por parte dos pais. Gradualmente, o programa foi sendo ampliado, incluindo outros casos, não necessariamente ligados à corte, que dizem respeito a adolescentes na faixa de idade de 12 a 18 anos, . Atualmente, atende outras repartições públicas, escolas e profissionais da saúde que vêem a mediação como recurso capaz de ajudar as famílias necessitadas.
TERAPIA FAMILIAR SISTÊMICA E CONCEPÇÃO CONSTRUCIONISTA
Uma das formas pelas quais uma família com filhos adolescentes pode tentar resolver determinados conflitos surgidos durante este período de seu ciclo vital é por meio da terapia familiar sistêmica.
A terapia familiar iniciou seu desenvolvimento nos anos 50, inspirada em contribuições da Biologia, da Sociologia, da Antropologia, da Informática, da Teoria Geral dos Sistemas, da Cibernética e da Teoria da Comunicação. De maneira geral, o campo da terapia familiar divide-se em terapia familiar psicanalítica e terapia familiar sistêmica. A seguir será enfocada a terapia familiar sistêmica, que constitui o núcleo do presente estudo.
O desenvolvimento das primeiras escolas de terapia familiar sistêmica recebeu influência predominante da Teoria Geral dos Sistemas, da Cibernética e da Teoria da Comunicação. A visão sistêmica pressupõe a observação não só do encadeamento dos acontecimentos, mas também dos padrões de organização que regem os elementos de um sistema. Em lugar de isolar os acontecimentos de seu contexto ambiental, os sistêmicos buscam as relações entre os elementos e consideram os acontecimentos em seu ambiente de ocorrência.
A partir da teoria sistêmica, o indivíduo passa a ser visto como formando parte de um complexo em que cada membro influi e é influenciado por outro em um interjogo relacional, donde as ações serem complementares no sentido de provocar e/ou resistir às mudanças que surgem em cada etapa do ciclo vital. Faz-se necessário que o sistema familiar possua flexibilidade suficiente para reorganizar-se frente às distintas demandas e exigências que surgem durante cada período.
A terapia familiar sistêmica introduziu expressiva mudança na maneira como se interpretam os conflitos. Não se acredita mais na causalidade linear na formação dos conflitos, uma vez que seu estudo é estabelecido em conformidade com múltiplos níveis de determinação. O ser humano não é um ser isolado, mas, sim, membro ativo e reativo dos grupos sociais. A diversidade de influências que o indivíduo recebe de seu contexto, desde a família até os sociais e culturais mais amplos, ganham relevância em processo contínuo de intercâmbio indivíduo-meio.
Os desenvolvimentos da terapia familiar produziram um vasto espectro de perspectivas e de orientações terapêuticas: estratégica, estrutural, de Milão, de Roma, focadas no problema, construtivistas etc. Na presente seção serão salientados os principais progressos dessa terapia a partir do construtivismo e da cibernética de segunda ordem com o fim de identificar o momento em que o enfoque construcionista foi incorporado por alguns autores e terapeutas sistêmicos.
A posição construtivista entra no pensamento sistêmico através do desenvolvimento da cibernética de segunda ordem. O sujeito não recebe passivamente o conhecimento que adquire das coisas de fora, mas sim age sobre o meio, construindo seu conhecimento. Cada um é inventor e construtor da realidade. O observador cumpre papel ativo, elabora realidades na interação com outros. Na terapia que adota essa concepção, o terapeuta atua mais como colaborador, sendo, junto com a família, um criador de histórias.
A introdução da perspectiva proporcionada pela cibernética de segunda ordem na terapia sistêmica delineia a atividade terapêutica como disciplina que transcorre no diálogo – mais que em intervenção de um agente sobre um sujeito –, no qual o terapeuta procura inserir-se na visão de mundo trazida pela família para gerar propostas de pontos de vista alternativos e/ou de novas conotações, com as quais o sistema terapeuta-família desenvolve perspectivas que não trazem consigo antigos comportamentos sintomáticos (Fried Schnitman,1989).
Uma das principais contribuições da cibernética de segunda ordem para a terapia familiar foi a de não somente considerar o pensamento circular como alternativa ao pensamento linear, mas também de conformar toda uma mudança na noção de culpabilidade. No pensamento circular, os acontecimentos e ações são compreendidos como partes de padrões mais amplos de influência recíproca. A cibernética de segunda ordem incorpora o sujeito construtor nesta circularidade.
A noção de sistema como sistema único, encapsulado, converte-se em uma concepção de sistema laminado, diverso, múltiplo, que incorpora, em sua configuração, a participação de diversos sujeitos construtores (Fried Schnitman, 1996). Seguindo uma epistemologia circular, o terapeuta torna-se menos moralista, mais neutro, permitindo assim maior liberdade para que a família explore alternativas para a mudança. Com isso, o terapeuta também está livre para ser mais criativo.
O terapeuta que trabalha com esta óptica, sente-se responsável, capaz de apreciar a perspectiva de cada pessoa e de possibilitar o surgimento de outras visões, distintas, a partir das quais o processo de mudança poderá tomar um rumo. Nessa perspectiva do processo de mudança, vê-se a família como unidade funcional singular, organizada de forma única e irredutível.
Na ‘terapia construcionista’, o terapeuta assume novo lugar de participação. Sai do lugar da autoridade e de distanciamento para um, no qual é parte integrante dos processos vivenciados e construídos no sistema. Faz uso de si mesmo em consonância com o objetivo de criação de novos sentidos e de surgimento de alternativas para a mudança.
O terapeuta, neste caso, é curioso e questionador; tem interesse pelo que possa surgir de inovação no contexto da terapia. Evita as ‘verdades últimas’ adotando por meta tanto o surgimento de novos sentidos e significados nas histórias narradas e nas relações vivenciadas como também a geração de possibilidades de mudança.
O processo terapêutico entendido como a construção de um contexto para uma recriação colaborativa, permite aos membros da família interrogar-se, desafiar e desligar-se de versões de histórias de vida saturadas de problemas, deficitárias, e trabalhar na geração e recuperação de alternativas experimentadas como libertadoras e transformadoras
(Fried Schnitman, 1994:382)
Além disso, Fried Schnitman (1994) diz que a co-participação neste contexto torna possível a expansão de territórios afetivos, cognitivos e de ação, bem como sua colocação em ato.
O construtivismo é freqüentemente confundido com o construcionismo social, mas as duas posições diferem em aspectos importantes. Ambas questionam a existência de um ‘mundo real’ que se pode conhecer com certeza objetiva e, também, a noção da linguagem como representação: "Ambas as posições coincidem no papel construtivo do conhecimento e da linguagem" (Fried Schnitman, 1994:380).
Para o construtivismo, segundo esse autor, a função da cognição é adaptativa e serve para organizar o mundo experiencial do sujeito e não para descobrir uma realidade objetiva. Em troca, para o construcionismo social, todo conhecimento evolui nos espaços interpessoais; é participando dos jogos sociais e conversando com as pessoas que o indivíduo desenvolve seu sentido de identidade ou uma voz interior (Fried Schnitman, 1994).
Na óptica do construcionismo social, compreende-se a vida humana como construída socialmente. O conhecimento é resultado dos diversos processos sociais que ocorrem entre os indivíduos das numerosas comunidades específicas, com suas histórias e culturas particulares. Quando se pensa tomando-se por base o construcionismo social, tem-se em mente as relações humanas em seus múltiplos contextos de existência.
Contudo, não existem estudos mais sistematizados no que diz respeito à prática construcionista no campo da terapia. Escolheu-se o quadro construcionista por entender que esse modelo de compreensão dos conflitos enfatiza seu caráter evolutivo e seu potencial transformador1. os conflitos, desse modo, não são concebidos como estáticos e não precisam ser encarados de forma negativa, havendo a possibilidade de sua transformação e de mudança e de crescimento pessoais.
Considerar as famílias como sistemas em evolução e com capacidade para transformação implica mudança na prática do terapeuta e do mediador, pois estes centrar-se-ão nas diversas possibilidades de resolução de crises e de conflitos, tendo por referencial a construção conjunta de novos caminhos.
1 "Considero todas as formas de terapia como tendo base construcionista, quer dizer, baseando-se na produção de sentido como meio de transformação. Claro que este pressuposto não é explícito em muitas formas tradicionais de terapia (por exemplo, a analítica, a condutista, a cognitiva etc.), mas na medida em que conseguem alguma eficácia, a meu critério, devem fundamentar-se na negociação de sentido. Ao mesmo tempo, existe um número de diferentes e mais recentes formas de terapia que são mais explícitas em termos de seu reconhecimento dos processos construcionistas (por exemplo, a terapia narrativa, a orientada na resolução do problema, as breves e, de alguma maneira, certos aportes construtivistas)" (Gergen, 1996).
MEDIAÇÃO FAMILIAR
A mediação familiar é opção que se apresenta às famílias com adolescentes que buscam a resolução de determinados conflitos familiares. Nela, as partes refletem e dialogam com o objetivo de gerar vias de superação dos conflitos. É processo voluntário e confidencial, no qual a responsabilidade pela construção das resoluções, sua autoria, está em mãos das partes.
Na medida em que foi derivada e sintetizada a partir de diversos contextos práticos, a mediação familiar apresenta peculiaridades. Teoria, técnica e prática foram emprestadas dos campos da negociação e mediação trabalhista, da lei, da psicologia social e das disciplinas psicológicas que servem de fundamento à psicoterapia e “counseling” (Kelly, 1983).
A literatura no campo da mediação aponta para uma polarização de concepções em relação a seu potencial: por um lado, como caminho para a transformação das relações e, por outro, como via de resolução de conflitos específicos.
O presente estudo adere a uma visão complexa e integradora da mediação, que aponta tanto para o caráter transformador das relações humanas quanto para seu potencial facilitador no estabelecimento de acordos através da resolução de problemas específicos. Tomando por base esse quadro, o mediador cria condições para a busca de resoluções, como também para a ‘apropriação’ responsável de conhecimentos, ações e soluções. Os autores utilizam o termo empowerment quando se referem a esta apropriação como uma dimensão da transformação. A polarização entre a "transformação" e a "satisfação" tem sido examinada por distintos autores (cf. Bush & Folger, 1994; Kolb, 1994; Littlejohn, 1996).
Estamos convencidos de que o principal valor da mediação radica em seu potencial não somente para encontrar soluções para os problemas da gente, mas para modificar as próprias pessoas para melhor em meio ao conflito. Algumas vezes temos visto as pessoas mudarem em coisas pequenas, mas significativas, graças a sua participação neste processo. Estas mudanças se produzem porque, através da mediação, as pessoas encontram a maneira de não sucumbir às pressões mais destrutivas do conflito: agir, apoiando-se na fragilidade antes que na força e desumanizar-se antes que reconhecer-se mutuamente.
(Bush & Folger,1994:XV).
Opções criativas, acordos ou diferenciações, possibilidades de ganhar conjuntamente, construir colaborativamente, descobrir opções inesperadas ou diferenciar-se e concordar a respeito daquelas áreas nas quais se pode e é necessário coordenar, aparecem como parte de novo espectro de possíveis cursos de ação criativos, amplos, mais além do litígio.
Fried Schnitman, 1996:5.
A mediação é um método que procura fazer com que as partes superem suas diferenças, oferecendo oportunidade para que encontrem soluções viáveis, as quais devem contemplar os interesses de todos os envolvidos na questão. O caráter de terceiro neutro atribuído ao mediador centraliza as discussões e auxilia a dar forma à linguagem utilizada, com o interesse de chegar a uma resolução mutuamente aceitável. O mediador concentra-se para além dos problemas relacionais e focaliza questões de conteúdo específico, dando alento aos indivíduos para que criem suas próprias soluções.
O processo da mediação facilita o diálogo e cria clima positivo para a solução de conflitos. A responsabilidade pela resolução dos problemas está nas mãos dos protagonistas. As partes interessadas identificam as áreas em que pode haver acordo e testam as opções que oferecem a possibilidade de um desenlace:
A mediação é processo em que as partes são encorajadas a ver e esclarecer, deliberar opções que reconhecem ao mesmo tempo a perspectiva do outro. Neste processo, um possível desenlace é um acordo mutuamente aceitável.
(Domenici, 1996:1).
MEDIAÇÃO PAIS-ADOLESCENTES
Uma forma de mediação familiar é a que tem por objetivo a resolução de conflitos entre pais e adolescentes, visando a manutenção da unidade familiar. Consiste em um processo que encoraja a comunicação entre os participantes e os leva a enxergar a situação desde o ponto de vista do outro, além de também incentivar as partes no que concerne à autoria da solução procurada.
Os conflitos que chegam à mediação pais-adolescentes são tipicamente identificados como provenientes do comportamento adolescente problemático, fato este já questionado por autores que investigaram a relação positiva entre conflitos pais-adolescentes e funcionamento familiar não funcional. De maneira geral, pode-se dizer que os conflitos mais sérios, envolvendo um adolescente e sua família, são multifacetados, complexos, emocionais e que vêm sendo estabelecidos faz algum tempo.
O processo de mediação pais-adolescentes, assim como outros tipos de mediação familiar, permite que os membros da família definam seus temas, esclareçam suas necessidades e compreendam aquelas dos outros integrantes, gerando alternativas e encontrando soluções que vão ao encontro das necessidades de todas as partes envolvidas. Pode-se citar como seus os seguintes princípios: respeito à participação igualitária, confidencialidade, participação voluntária e intervenção breve.
A mediação pais-adolescentes incentiva negociações estruturadas sobre temas concretos da vida familiar. Está fundada no pressuposto de que a complacência quanto aos acordos da vida diária incrementa a confiança entre pais e filhos e pode facilitar a negociação de assuntos mais amplos no futuro. Seu objetivo fundamental é auxiliar os membros da família na definição dos temas importantes no conflito e facilitar seu movimento em direção a algum acordo enfocado do comportamento futuro (VanSlyck, Newland, Stern, 1992). Um processo de confiança é construído quando as partes sugerem e mantêm compromissos uns com os outros. Um acordo direcionado para uma simples tarefa pode trazer profundas implicações para os relacionamentos como um todo, como também iniciar a família em uma direção positiva (Shaw, 1985).
Outro objetivo adicional da mediação pais-adolescentes é a possibilidade de ocorrer mudança positiva na dinâmica das interações familiares como decorrência do processo, (VanSlyck, Newland, Stern, 1992). Um componente subordinado a este objetivo é a educação dos membros da família em técnicas positivas de resolução de conflitos, pensando-se no incremento dessa habilidade para resolver futuros conflitos (Merry, 1987).
A mediação auxilia os membros da família a resolver seus conflitos por intermédio de acordo relativo a mudanças específicas e substantivas que visam a resolução dos problemas em questão. O processo ajuda as partes a atuar frente ao outro de forma a funcionar melhor em seu sistema familiar.
REFLEXÕES SOBRE MEDIAÇÃO FAMILIAR E TERAPIA FAMILIAR
Uma das interrogações quanto ao emprego da terapia e da mediação refere-se à existência ou não de fronteira nítida entre estes processos. O profissional que trabalha com ambos os recursos pode utilizar alguns subsídios da mediação durante um processo terapêutico, como também usar algumas contribuições da terapia durante uma mediação. Contudo, a mediação focaliza, em primeiro plano, o processo de interação e resolução entre as partes no que diz respeito ao conflito, ao passo que a terapia tem caráter mais envolvente, na medida em que trabalha não tão centrada na resolução do conflito.
Em suma, os tipos de processo são distintos, mas as abordagens e as técnicas de ambos os procedimentos são utilizados por vezes, de modo complementar, como ferramentas importantes. Por exemplo, o caráter organizador do conflito na mediação pode ser útil em uma terapia, assim como o restabelecimento de um diálogo respeitoso pode ser terapêutico durante um processo de mediação.
Sempre tendo em mente a mediação transformativa, interessa examinar algumas de suas facetas para compará-la e diferenciá-la da terapia. Estes aspectos incluem metas da mediação, a natureza desse processo, o papel do mediador e o lugar da expressão emocional no processo da mediação.
Metas da mediação familiar
A meta explícita da mediação é definida pela negociação de determinados assuntos identificados pela família e pelo mediador como temas pertinentes ao conflito em questão. De modo geral, os conflitos que levam uma família a buscar auxílio na mediação são diferentes daqueles que a fazem procurar a terapia. Finalizar uma terapia que foi iniciada em razão de um conflito particular é diferente de resolver um conflito através da mediação. Por sua vez, os familiares que buscam a terapia comumente não querem assistência em negociações sobre conflitos específicos, mas sim visam mudanças nas suas relações.
Enquanto que as metas primárias da mediação e da terapia são diferentes, as metas secundárias de um processo em geral são similares às metas primárias do outro. Por exemplo, se a família procura um terapeuta em virtude de conflitos entre os pais e o filho com relação a horários, responsabilidades domésticas e mensalidade, o terapeuta não enfatizará a resolução destes conflitos como primeiro objetivo, apesar de o final das disputas poder vir a ser visto como resultado de um tratamento terapêutico pleno de êxito. Similarmente, se a mesma família procura um mediador, este não terá como meta primeira a mudança na qualidade das interações ou a melhoria da comunicação familiar. No entanto, muitos mediadores de família associariam tal resultado a um produto da mediação.
Embora na mediação transformativa o acordo não seja a principal meta, uma mediação plena de êxito em geral tem como remate um 'produto’ específico, que é o acordo escrito construído pelas partes. A terapia, por sua vez, não tem como fecho um acordo escrito, e sim a decisão conjunta, entre os membros e o terapeuta, quanto ao seu término, contemplando as mudanças que eram esperadas e foram conseguidas.
Deve-se reconhecer que os resultados da mediação plena de êxito podem ser similares aos esperados em terapia. O processo da mediação costuma ser terapêutico na medida em que conduz a reduções observáveis a ansiedade, as feridas e a raiva que podem ser geradas em situações de conflito. De maneira semelhante, o mediador pode notar maior compreensão confiança, melhora na comunicação e nas habilidades de colaboração entre as pessoas. Alguns autores discutem acerca das metas secundárias da mediação; tais metas seriam a reestruturação da relação pais-filhos e a criação de um modelo de comunicação e resolução de conflitos que pode servir no futuro. O mediador que tem estes objetivos deve ser cauteloso para não prolongar e descaracterizar o processo de mediação, que é mais rápido e com desígnios mais delimitados do que o da terapia.
O processo
A mediação é processo com temas, metas e tempo limitados. Enfatiza o presente e o futuro, mas não o passado, como na terapia. Há casos em que a mediação vai lidar com aspectos da lei que podem influir na tomada de decisões.
Se a mediação trabalha com temas mais ‘objetivos’, a terapia, em geral, lida com temas de caráter mais 'subjetivo’ e trabalha de forma mais ampliada sobre os mesmos.
Na mediação, as respostas emocionais são trabalhadas de maneira restrita para que o processo possa ter prosseguimento. Em terapia, estes aspectos são mais explorados. Embora o impacto da mediação possa acarretar mudança psicológica, esse processo não visa uma exploração ou aprofundamento dos temas e reações emocionais.
O começo dos processos de mediação e terapia também são distintos. A maioria dos mediadores trabalha com uma sessão inicial de contrato, a qual propicia a verbalização das expectativas de todos os envolvidos, mediador e partes. O mediador expõe a natureza do processo, fala dos resultados esperados, da confidencialidade e, caso seja preciso, da possibilidade de consulta a outro profissional após o término previsto. As responsabilidades pelas tomadas de decisões e o nível de participação das partes também são discutidos, introduzindo-se o conceito de imparcialidade. No momento em que as partes optam pela mediação, pode-se firmar um acordo, o qual inclui os pontos mencionados anteriormente.
Por sua vez, a terapia inicia pela exploração dos motivos da procura deste processo. O terapeuta faz entrevistas para ir discutindo com seu/s cliente/s a proposta e o desenvolvimento desta abordagem.
Na mediação, depois que as partes aceitam mediar, o mediador auxilia na identificação e esclarecimento dos temas, comunicação, desenvolvimento de dados e tomadas de decisões.
O papel do mediador
O papel do mediador é mais ativo do que o do terapeuta. Faz o levantamento das informações necessárias junto com as partes; esclarece, redefine e organiza dados, facilita uma comunicação mais colaborativa; estrutura as sessões de forma a dar prosseguimento às negociações; administra o conflito; recomenda, quando preciso, que as partes procurem informação ou recomendação de especialista; auxilia no desenvolvimento de propostas; ajuda as partes a refletir sobre a importância de suas decisões; e, por fim, auxilia na redação do acordo, quando este é conseguido.
Durante todos este processo, o mediador permanece centrado nos temas, recordando os propósitos, procedimentos e alcances da mediação a seus clientes. Trabalhando ativamente e tendo em mente a transformação das relações e a possibilidade da construção de acordo, o mediador não decide, mas facilita o processo de tomada de decisões das partes. A relação do mediador com as partes é imparcial e equilibrada.
Outra característica distintiva quanto ao terapeuta é que o mediador não assume responsabilidade no que se refere à melhoria da saúde mental dos clientes. O cliente também não vem para a mediação com este propósito, apesar de poder ver a mediação como processo menos estressante e psicologicamente mais benéfico que os procedimentos competitivos. O mediador compreende seu papel como aquele no qual vai ajudar as pessoas a resolver seus conflitos, possivelmente chegando a acordo benéfico às partes envolvidas.
Lugar da expressão emocional
Sentimentos e emoções têm lugar na mediação, mas não constituem foco maior, mesmo sendo identificadas, esclarecidas e consideradas. Certos clientes trazem estas emoções, ao passo que outros procuram não se expor muito. O mediador vai lidar com tais variações de maneira cautelosa para que o objetivo do processo não sofra alteração.
Alguns mediadores alertam as partes para a possibilidade de surgimento de sentimentos fortes durante o processo. Deve-se levar em conta o fato de a família ter escolhido a mediação em lugar da terapia, o que já pode servir de parâmetro a respeito de sua disponibilidade para aprofundar estes temas.
Um mediador – por não explorar muito as manifestações emocionais, identificando-as e dispondo-as com o objetivo de dar continuidade ao processo – pode optar por não identificar sentimentos que considere dispensável, enquanto que em terapia a manifestação dos mesmos sentimentos poderia ser trabalhada.
Mediação | Terapia | |
Metas primárias |
Resolução do conflito e/ou mudança nas relações Negociação de temas específicos Possibilidade de acordo |
Mudança pessoal e relacional Temas trabalhados são menos focalizados |
Processo tempo |
Limitado/breve |
Não limitado |
Começo |
Acordo para mediar |
Sessões para avaliação |
Participação |
Todas as partes envolvidas no conflito (médico, paciente, mediador) |
Pode iniciar com parte dos membros |
Orientação no tempo |
Presente/futuro |
Passado/presente/futuro |
Natureza | Social/semilegal | Psicológica /social |
Temas | Mais ‘objetivos’ | Mais ‘subjetivos’ |
Papel do terceiro | Conduta mais ativa para metas primárias | Co-construção do processo |
Expressão emocional | Reconhecidas e assinaladas | Exploradas, ampliadas e trabalhadas |
COMENTÁRIOS FINAIS
As mudanças no mundo pós-industrial são acompanhadas de riscos específicos e atraem a atenção para a necessidade de desenvolvimento de práticas efetivas e adequadas à administração e resolução de conflitos, com a conseqüente diminuição de agressões e violências.
Em famílias com adolescentes, a terapia e a mediação familiar trazem contribuições importantes para a resolução de conflitos, sendo que ambos os processos podem ser utilizados como recursos alternativos.
Tais práticas favorecem contextos em que habilidades alternativas e opções de resolução de conflitos não competitivos podem ser incrementadas ou geradas. Os dois processos – terapia e mediação – oferecem oportunidades de transformação, estimulando a comunicação, a compreensão, o reconhecimento, o 'empowerment’ e construção de novas possibilidades para a resolução de conflitos.
Existem resultados comuns à mediação e à terapia familiar, ainda que as distinções feitas entre essas aproximações no trabalho com jovens e suas famílias sejam cercadas de tensão no que diz respeito à amplitude de atenção dada aos temas emocionais e às dinâmicas familiares ou à obtenção de acordos em temas imediatos e específicos, com ou sem mudança psicológica nas relações.
Em ambas, chegar-se-ia à melhoria da comunicação e da destreza para a resolução de conflitos; reconhecimento do ponto de vista do outro; favorecimento do equilíbrio de 'poder’ entre os membros da família; incremento da auto-estima; incentivo às expectativas reais e possíveis; e instauração de independência e autonomia apropriadas para os membros individualmente.
Em uma visão integradora, tanto a terapia como a mediação familiar constituem recursos que viabilizam o surgimento de novos caminhos e possibilidades para a transformação e resolução de conflitos. Trabalhando com os dois papéis, terapeuta e mediador, pode-se identificar muitas similitudes entre as técnicas utilizadas como terapeutas e, por outro lado, como mediadores. Pode-se pensar na possibilidade de que a adaptação de algumas das técnicas e conceitos da terapia familiar na mediação venha incrementar e melhorar sua prática sem violar suas metas e vice-versa.
Apesar da consideração desta possibilidade, é preciso cautela e lealdade no que diz respeito à escolha e à prática dos processos, tendo-se em mente que são diferentes, que têm características próprias que não podem ser descaracterizadas, assim como não se pode fugir dos objetivos primários.
Pensando-se sobre a escolha entre um e outro processo, é possível dizer que a mediação é eleita quando se tem 'urgência’ na resolução de determinado conflito e clareza sobre temas específicos que devem ser negociados. Por outro lado, a escolha da terapia ocorre quando se procura um processo mais flexível, em que se dispõe de mais tempo para a elaboração de necessidades e das mudanças almejadas. Na terapia, tem-se disponibilidade para trabalhar mais com emoções e se quer mudanças pessoais e/ou relacionais.
Outro fator determinante nesta escolha são as contra-indicações ao processo de mediação. Irving e Benjamin (1995) apontam para os seguintes: estresse intenso; rigidez em relação a expectativas e planos, acompanhados de um repertório de respostas restrito; raiva intensa; envolvimento de pessoas fora da família com influência negativa; violência familiar; e disfunções afetivas ou cognitivas.
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